segunda-feira, 9 de maio de 2011

Banheiro

Prazer, sou Lucas, Lucas de verdade, sou o Lucas do conto e o Lucas da vida, falo Lucas demais, e não gosto de Lucas, muito menos de escrever sobre Lucas, mas mostra-se indispensável, então, fique calmo, quando escrevo dramatizo, quando vivo, realizo, você lerá a realidade, mas a realidade aumentada, dramatizada, irrealizável. Leia como se fosse salvar alguém.


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Loucura, é um dia das mães, um dia das mães húmido e quente; mais parece uma tarde na Amazônia, abraços e beijos molhados, tudo estala, tudo gruda. A fritura da cozinha, os corpos se espremendo afim de passarem por um corredor comum, ou pés unidos sobre a soleira da porta, todos querem sair, todos querem entrar, ninguém quer ficar, ficar seria desistir, mostrar a fraqueza ao outro, não pode, tem que empurrar, espremer, sorrir e deixar o outro passar, voltando recuando.

Lucas acorda, gosta de todos a sua volta, porém ama-os a distância, não que não goste de pessoas, ou das pessoas, ele só não gosta dessa coisa obrigatória de estar junto, do pele a pele sem escolha, do caminho único, da ida sem volta ao abraço, odeia não ter uma porta de saída. É festa no barco em mares de fogo. Não dá para sair, Lucas tem pavor, sufoca, mas vive, passa, existe, só existe, só está vivo e gostando, ou fingindo, ou gostando. Ele cumprimenta todos, ouve todas as piadas, ri de todas, das que todos riem, conta um conto, aumenta um ponto, ouve um conto. Tudo ocorre pavorosamente normal.

Levanta-se, vai andando para casa, passando por gente, gente que ama, gente que gosta, gente que tem nojo. Gente que sorri por que tem que sorrir. Gente que ama ele, gente que gosta dele, gente que odeia ele. Ele sabe cada um e sabe que cada um sabe do seu cada um, e gosta disso, gosta de ver como que os outros sustentam a insustentabilidade da mentira de verdade da sociedade. Pode rir consigo.

Chega ao banheiro, tranca a porta, mãos sobre a pia, olhar no olho, janela do banheiro fechado solidão instaurada, é gozo profundo, alivio inerente. Sabe, é essa sensação mesmo, desafogo, finalmente sozinho, longe de todo o estalar de bocas em bochechas, de braços suados grudando em outros tão suados, longe de toda não escolha do contato, longe de todas as fachadas de verdade. Das crostas que são o real da mentira. Agora ele estava bem, estava no banheiro.

16 comentários:

  1. Nossa! Fiquei sem palavras para me expressar. Amei o texto, em minha opinião é o melhor texto de sua autoria que já li *o*
    Me identifiquei demasiadamente com tal, muito mesmo.
    Parabéns Lucas *-*

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  2. Obrigado Erick, quem sabe este tenha sido o meu twxto mais "genuino", real, viceral. Ou não, acho que tudo que escrevo em momentos de criação artística, é genuino, é desafogo ;)

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  3. Nossa, adorei meu amor! Muito bom mesmo. Mas sabe o que eu acho sobre essa sua "repúdia" pela sua família né. Mas isso não intereça, o texto ficou ótimo ! Parabéns ;D

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  4. Obrigado querida, não é pela minha 'família' é só pela humanidade, rs. Obrigado mesmo pelo comment

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  5. Inexpressível a sensação de ler seu texto, eu fico impressionada quanto ao talento que tens no simples ato de escrever, você recebeu um dom raro e por isso pode considerar-te um alguém que jamais passará despercebido!!! Parabéns

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  6. MUITO OBRIGADO Marcelle ! você também é um alguém especial, e sabe disso, seu dom com as normas da lingua e afins, nossa me impressionam, queria rouar-lhe um pouco de seu dom, rs Obrigado mesmo.

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  7. é um bom texto, a forma como você fala sobre você mesmo com um olhar de narrador. e o fato de ser simples me agradou, esperei mais pelo titulo, mas gostei da forma como expressou o fato de gostar da familia mas não querer ela tão perto.

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  8. Muito obrigado querida, já disse, voc~e é uma linda !

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  9. Lucas e seu(s) Desafogo(s)... [!]

    Li-me neste texto.

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  10. rs, o desafogo voc~e me ajudou bastante Estela ;D

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  11. Ajudei? Ora, essa eu não imaginava, mas tal felicita-me.

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  12. Se lembra da pergunta do Face? pois é, rs.

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  13. Claro que lembro-me! Mas não imaginei que disso pudesse surtir uma ajuda, menos ainda bastante ajuda.

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  14. É, mas pelo "incrivel" que possa parecer aquele possivel título deveras me inspiro, e hoje o vejo como vertebte substancial de algo futuro. Obrigado.

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  15. ''Lucas acorda, gosta de todos a sua volta, porém ama-os a distância, não que não goste de pessoas, ou das pessoas, ele só não gosta dessa coisa obrigatória de estar junto''

    Não tenho duvidas de que isso vai ficar na minha cabeça por dias .Eu estava com tanta saudade dos seus textos , que o simples fato de ler um deles fez o meu dia ficar melhor .O modo como você escreve me inspira .

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  16. Ai meu Deus, você é muito linda em dizer isso sobre meu texto, e o simples fato de você comenta-lo deixa meu dia mais feliz ;)

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"Gentileza gera gentileza." - Profeta Gentileza.