Talvez essa, seja uma de minhas maiores 'aventuras' no ramo da escrita, verdadeiro voo vendado, estou indo no escuro, sem medo de bater na árvore, apenas confiando em mim mesmo e na minha capacidade de fazer algo um pouco diferente do meu comum. Espero que apreciem.
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Putas Mortas
Venho aqui hoje, relatar o que se passa comigo e com minhas amigas, guerreiras de trabalho. Todos os dias, nós temos de vestir nossa armadura e partir para epopeia diária, afinal, quem vai por comida nas nossas bocas e teto em nossas cabeças se não formos nós mesmas. Todas aqui tiveram pai, mãe, irmão e namoradinho um dia, mas todas nós tivemos isso arrancado também, de forma dura pela vida, de forma maldosa, de forma real, afinal, a vida é dura e malvada, tão malvada quanto uma mãe ter de tirar um filho de seu ventre por saber que se ele vier vai vir para sofrer, vir para se ferrar nessa vida dura, nessa vida malvada.
Venho também, afim de contar histórias de inocências tiradas, pureza pisada, de coração dilacerado sem nem mesmo se olhar para o lado ou uma palavra de alento. Venho aqui para contar uma história de mortes, porque sou morte, estou morta, venho da morte, venho da convenção das putas mortas, que não aguentam mais um conto atrás do outro, conto de morte, de estupro, de facada, de sufocamento, só não aguentam mais morrer sem saber por que, o que fizeram as putas para merecerem tanto ódio? Não somos gente? Somos apenas buracos, catalisadores de angústias, mulheres que não fodem, carência e raiva? E se formos, por que morrer, não fazemos algo bom? Afinal, o corpo é meu, você vende sua aula de espanhol, eu vendo meu corpo.
Poderia contar a história de qualquer uma das milhares de putas mortas que aqui no céu estão, mas eu prefiro contar a da Alice, que é de uma inocência roubada, afinal, ninguém é puta por escolha, pode até ser, mas essas não morrem, essas são espertas, enfim, agora, o relato de Alice virá, para assustar todos, confesso que Alice sou eu, Alice é você, é tudo, Alice é a mulher, a criança, é um pedaço de todas e do nada, é, Alice não é, Alice foi.
Alice, antes de puta, era uma menina, como qualquer uma, mas ela não fez boas escolhas, brigou com a mãe e fugiu de casa. O que uma garota de 17 anos que nem terminou o terceiro ano pode fazer em uma cidade voraz como o Rio de Janeiro? Ela não sabia, não sabia, mas logo descobriu, e descobriu, quando em sua segunda noite pelas ruas vagando – sem coragem de pedir arrego aos pais nem exílio a algum amigo –, um homem chegou perto dela e pergunto quanto era o programa, ela só soube correr, mas foi enquanto corria com lágrimas nos olhos que sentiu o estômago tremer e lembrou que a fome começava a corroí-la, afinal, um pacote de bolacha de morango não sustenta ninguém por um mês, os 13 reais e 45 centavos que tinha já haviam acabado, ela pensou em voltar e dizer que era 50 reais o programa, mas não conseguiu, suas pernas tremeram e ela caiu no chão chorando, pensando que sua virgindade, que tanto sonhou em perder de forma mágica ia acabar ali na rua, simples assim.
O Sol nasceu, como nasce em qualquer manhã, mas tinha um tom de laranja mágico, como nunca vira antes. Sua barriga doía muito de fome, ela sentia vergonha naquilo, mas agora já estava conformada com seu destino, ela só ia esperar a noite chegar e sair para caçar um caçador. Que com uma ereção levaria embora toda sua suposta inocência. O dia passa lento, se arruma, tenta não feder, são dois dias sem banho, sem cama, sem casa sem vida, tem tanta vergonha de si mesmo que chora. Enfim a noite caiu, o céu está estrelado, tem saudades do outro lado da ponte, pois quando fugira de casa, a primeira coisa que fez foi pegar um ônibus em direção à Niterói, afim de se livrar de todo o ranço do centro do Rio, dos parentes e amigos da família que por ali vagavam...
Esconde sua trouxinha de coisas sob a estátua de Araribóia, num ato instintivo, estando sobre toda a imponência da estátua, ela se aproxima e pede proteção. Respira fundo e começa a andar ali pelos arredores, até que, finalmente um homem a para e pergunta, a famosa pergunta, “quanto é?”. Perde o chão e não sabe o que responder, sabe, tenho pena dessa menina, mas enfim, ela, sem respirar responde rápido,” 50 reais”, o estranho retruca, “tá perfeito, vamos então pra algum lugar... tem algum de costume?”, ela não responde, apenas balança a cabeça dizendo que não, ele a conduz até um pulgueiro, onde pede para que deite na cama só de calcinha, aquilo não foi sexo, foi um estupro, e quando sai de cima dela e pergunta, qual seu nome docinho. Ela responde Alice, com os olhos já sem emoção, aquela menina aflita que fugira de casa morreu, agora Alice habitava aquela alma. O homem, como quem dá uma esmola diz, ainda tem 15 minutos, se arrume e volte para a luta, Alice. Ele sai, uma lágrima escorre, ela seca, segue em frente, só naquela noite faz mais três programas. Os dias de Alice passam-se assim, agora não dorme mais na rua, mas sim no pulgueiro onde fez seu primeiro programa, seu primeiro sexo, sua primeira transa, lugar do seu primeiro estupro.
Tudo corria normal, até que então três dias depois, Alice está fazendo mais um programa, só que dessa vez o homem não quis ir para um motel, pediu apenas que o chupasse atrás de um shopping ali perto das barcas, ela faz isso, mesmo que não saiba como fazer, aquele lugar sujo, aquele homem sujo, aquela vida suja, mas ela faz, é sua vida agora. Ele fala, vou gozar dentro, Alice assustada da um pulo para trás, ele deita subitamente por cima dela, e a sufoca, mãos no pescoço, Alice não consegue mais respira, passam-se alguns segundos, Alice fecha os olhos e pensa em seus pais. Agora Alice está comigo, daqui, assistindo sua história sendo contada. Para finalizar, o assassino, que nunca foi ou será pego, tira a roupa de Alice, goza sob todo seu corpo e sai, levando com ele a dignidade de uma morta.
E agora, junto com nós, putas mortas, está Alice, morta, mas antes de putas, nos somos meninas, mulheres, garotas, crianças, pessoas! Dignidade às putas, por favor. Somos parte de vocês, assim como são parte de nós. Somos uma coisa só, e vocês sabem disso, eu sou você e você é eu, quando morrer, venha a uma reunião das putas mortas, no céu, na esquina infernal.
Venho também, afim de contar histórias de inocências tiradas, pureza pisada, de coração dilacerado sem nem mesmo se olhar para o lado ou uma palavra de alento. Venho aqui para contar uma história de mortes, porque sou morte, estou morta, venho da morte, venho da convenção das putas mortas, que não aguentam mais um conto atrás do outro, conto de morte, de estupro, de facada, de sufocamento, só não aguentam mais morrer sem saber por que, o que fizeram as putas para merecerem tanto ódio? Não somos gente? Somos apenas buracos, catalisadores de angústias, mulheres que não fodem, carência e raiva? E se formos, por que morrer, não fazemos algo bom? Afinal, o corpo é meu, você vende sua aula de espanhol, eu vendo meu corpo.
Poderia contar a história de qualquer uma das milhares de putas mortas que aqui no céu estão, mas eu prefiro contar a da Alice, que é de uma inocência roubada, afinal, ninguém é puta por escolha, pode até ser, mas essas não morrem, essas são espertas, enfim, agora, o relato de Alice virá, para assustar todos, confesso que Alice sou eu, Alice é você, é tudo, Alice é a mulher, a criança, é um pedaço de todas e do nada, é, Alice não é, Alice foi.
Alice, antes de puta, era uma menina, como qualquer uma, mas ela não fez boas escolhas, brigou com a mãe e fugiu de casa. O que uma garota de 17 anos que nem terminou o terceiro ano pode fazer em uma cidade voraz como o Rio de Janeiro? Ela não sabia, não sabia, mas logo descobriu, e descobriu, quando em sua segunda noite pelas ruas vagando – sem coragem de pedir arrego aos pais nem exílio a algum amigo –, um homem chegou perto dela e pergunto quanto era o programa, ela só soube correr, mas foi enquanto corria com lágrimas nos olhos que sentiu o estômago tremer e lembrou que a fome começava a corroí-la, afinal, um pacote de bolacha de morango não sustenta ninguém por um mês, os 13 reais e 45 centavos que tinha já haviam acabado, ela pensou em voltar e dizer que era 50 reais o programa, mas não conseguiu, suas pernas tremeram e ela caiu no chão chorando, pensando que sua virgindade, que tanto sonhou em perder de forma mágica ia acabar ali na rua, simples assim.
O Sol nasceu, como nasce em qualquer manhã, mas tinha um tom de laranja mágico, como nunca vira antes. Sua barriga doía muito de fome, ela sentia vergonha naquilo, mas agora já estava conformada com seu destino, ela só ia esperar a noite chegar e sair para caçar um caçador. Que com uma ereção levaria embora toda sua suposta inocência. O dia passa lento, se arruma, tenta não feder, são dois dias sem banho, sem cama, sem casa sem vida, tem tanta vergonha de si mesmo que chora. Enfim a noite caiu, o céu está estrelado, tem saudades do outro lado da ponte, pois quando fugira de casa, a primeira coisa que fez foi pegar um ônibus em direção à Niterói, afim de se livrar de todo o ranço do centro do Rio, dos parentes e amigos da família que por ali vagavam...
Esconde sua trouxinha de coisas sob a estátua de Araribóia, num ato instintivo, estando sobre toda a imponência da estátua, ela se aproxima e pede proteção. Respira fundo e começa a andar ali pelos arredores, até que, finalmente um homem a para e pergunta, a famosa pergunta, “quanto é?”. Perde o chão e não sabe o que responder, sabe, tenho pena dessa menina, mas enfim, ela, sem respirar responde rápido,” 50 reais”, o estranho retruca, “tá perfeito, vamos então pra algum lugar... tem algum de costume?”, ela não responde, apenas balança a cabeça dizendo que não, ele a conduz até um pulgueiro, onde pede para que deite na cama só de calcinha, aquilo não foi sexo, foi um estupro, e quando sai de cima dela e pergunta, qual seu nome docinho. Ela responde Alice, com os olhos já sem emoção, aquela menina aflita que fugira de casa morreu, agora Alice habitava aquela alma. O homem, como quem dá uma esmola diz, ainda tem 15 minutos, se arrume e volte para a luta, Alice. Ele sai, uma lágrima escorre, ela seca, segue em frente, só naquela noite faz mais três programas. Os dias de Alice passam-se assim, agora não dorme mais na rua, mas sim no pulgueiro onde fez seu primeiro programa, seu primeiro sexo, sua primeira transa, lugar do seu primeiro estupro.
Tudo corria normal, até que então três dias depois, Alice está fazendo mais um programa, só que dessa vez o homem não quis ir para um motel, pediu apenas que o chupasse atrás de um shopping ali perto das barcas, ela faz isso, mesmo que não saiba como fazer, aquele lugar sujo, aquele homem sujo, aquela vida suja, mas ela faz, é sua vida agora. Ele fala, vou gozar dentro, Alice assustada da um pulo para trás, ele deita subitamente por cima dela, e a sufoca, mãos no pescoço, Alice não consegue mais respira, passam-se alguns segundos, Alice fecha os olhos e pensa em seus pais. Agora Alice está comigo, daqui, assistindo sua história sendo contada. Para finalizar, o assassino, que nunca foi ou será pego, tira a roupa de Alice, goza sob todo seu corpo e sai, levando com ele a dignidade de uma morta.
E agora, junto com nós, putas mortas, está Alice, morta, mas antes de putas, nos somos meninas, mulheres, garotas, crianças, pessoas! Dignidade às putas, por favor. Somos parte de vocês, assim como são parte de nós. Somos uma coisa só, e vocês sabem disso, eu sou você e você é eu, quando morrer, venha a uma reunião das putas mortas, no céu, na esquina infernal.
PO@#$% voc escreve demais cara ! sou sua fã já ;D ,! Parabéns.
ResponderExcluirAaah, muito obrigado meu amor! Você é muito gentil ;D
ResponderExcluirAdorei... Depois de uma ''pequena'' insistencia.. eu vim postar, se bem que eu nem sabia como.. mas enfim...
ResponderExcluirAdorei, ficou muito legal, e como ja disse você escreve super bem...
Eu gostei do texto pela forma como vc fala sobre as divisoes, em relação as putas.. AMEIII.
Besito.
Stéh
aah, querida, muito obrigado, é, acho que talvez eu tenha sabido como lidar com esse sentimentos de revolta em mim ;D
ResponderExcluirConto magnífico! Devemos nos lembrar que existem várias "Alice" por aí, e devemos nos conscientizar de que esta é a realidade e não tratar as coisas como naturais.
ResponderExcluirO preconceito, a itolerância, etc. são problemas que a sociedade moderna deveria esquecer e lamentar-se pos tais atos.
Enfim, ótimo conto! Adoro seus textos, parabéns *-*
Muito obrigado Erick, de fato foi algo como um grito de socorro esse conto, sacoméné, rs Thank's
ResponderExcluirme surpreendeu. adorei.
ResponderExcluirObrigado querida ;D
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