Quem se mata não quer morrer; só está aceitando a única mão que lhe foi estendida, enquanto todas as outras negam-se a ver. Era assim que Ana fazia-se mais calma e conformista, depois, que com as mãos tremendo, procurou uma forma de aliviar a dor do nada, da ausência de sentidos, do cheio do vazio, da saída de escape, do tudo, do sair e enfrentar o mundo para aquele que queria mesmo era entrar em si, o que tentava fazer agora, com uma navalha, joelhos no chão, uma carta meio escrita e lágrimas que insistiam em não mais prender-se. Refletia, tentava encontrar um real motivo para não fazer o óbvio. Para não ceifar a própria vida, para não sentir-se tão covarde, abdicando de toda a dor que ainda estava por vim, de tudo de ruim que ainda poderia acontecer, ou não, de tudo de bom que não ia acontece-lhe, que mais uma vez a vida dar-lhe-ia rasteiras e faria com que o que pudesse haver de bom fosse por ralo abaixo, só que agora, iria, mas iria junto com o sangue que escorreria quente dos pulsos, e bateria no gelado azulejo do banheiro e iriam, serpenteando, até a fossa, que é onde tudo que corre pelos sujos e tortuosos canos de sua casa desembocam, é aquele lugar, lar de baratas e podridão, onde seu sangue, que levaria juntamente sua vida, chegaria, e ficaria, nutrindo seres subdesenvolvidos, aqueles que do subsolo se alimentam, e agora, dela do subsolo, se alimentam, seria ela o subsolo, tornar-se-ia ela o subsolo, ou ela já é o subsolo? Agora, revirando a memória, Ana tenta achar alguma vertente segura para descobrir o que a esta levando a fazer isso. O que em sua vida fora tão intoleravelmente ruim. Revisa ano a ano, mês a mês, dor a dor, soco a soco, não consegue separar um pedaço, desmembrar uma fatia. O bolo é inteiro, inteiro de merda, a vida de Ana foi feita de merda, de merda nenhuma, tudo podre, infértil, imprestável, repugnante. Um arrepio gélido corre a nuca, é presságio, presságio de morte, de aflição, e num golpe único ela traceja uma linha em seu pulso, seu pulso branco como neve, de pele lisa como porcelana, agora rasgado, olha, seus olhos, de tom castanho escuro absolutamente penetrante, não compreendem ao certo, há sangue, mas há pouco, apenas o vermelho, nem escorre, quer dizer, não fora algo nada profundo o bastante para resolver a agonia que dentro dela habita, ainda não conseguiu gozar do tesão acumulado da vontade de morrer de nada mais sentir, ela ainda é ela, ainda é terrivelmente, ela. Olha para o chão ao seu lado, a melhor caneta de seu pai, o desgraçado rico e trabalhador, ou melhor, o desgraçado trabalho rico, o homem que nunca em casa está, que sempre no escritório, que deixa dinheiro e presentes enquanto dormia, que deixa uma mulher louca e bêbada dentro de casa, uma mulher que deve chamar de mãe, que se provocada não saberia onde é o banheiro, e se soubesse, não saberia o que é para lá se fazer, e deixa mais alguém, um alguém, eu, um alguém Ana, Ana é triste, Ana é devastada, é um fracasso, conto Ana, agora me faz Ana, sou Ana, me sinto Ana, Ana me toma, porque Ana é forte, repito Ana, porque agora acho que sou Ana, sou mais Ana do que Ana, não sei porque, a agonia de Ana me toma, falo tudo num jorro, vomito algo que não quer mais ficar, mas Ana, ela ali, de joelhos no frio chão, com um pulso levemente cortado, só quer se matar, por que ninguém mais lhe deu ajuda, só a bondosa, a bondosa da morte, avisou-a que poderia socorrer, escapar para seu colo, seu frio colo, mas antes tem que mandar seu sangue alimentar a podridão, a podridão da Terra. Para onde vai, não sabe, só sabe que quer sair, mas não sabe ao certo, tem um pouco de medo da morte, e assume isso, Ana respira fundo por que não sabe se realmente quer morrer, afinal poderia só sair de casa, não, não poderia, Ana não pode mais viver, só em pensar que foi gerada por monstros, ela se sente monstro, saiu de monstros convive com monstros, monstros ricos e ocos, no coração, tem dólares e Dreher, mas ainda assim, Ana não sabe. Ana tem nojo e tem pena, tem ódio e amor, tem dor e prazer, é quase que um orgasmo está ali, entre a vida e a morte, ou seria entre a morte e a vida, não sabe mais se esta viva e matara-se ou se está vivendo a morte e essa navalha é sua chave para o paraíso do viver viva. Ela reflete se deve deixar algo escrito para aqueles que a mataram, mas por que fazer isso? Pergunta-se, não consegue responder, no papel, meio amassado, escrito está: “Enfim,”, Olha para o teto, de lustre bonito, comprado por sua mãe na época em que ainda vivia, na época em que não era tão podre; teriam obras de arte até no quintal, de tão apaixonada que era por isso. Agora o senhor seu pai, nunca o viu direito de fato, tirando as festas que tinha de posar de família feliz, mas agora nem mais isso, afinal, a mamãezinha uma fruta podre que nem mais andar em linha reta anda, não é nada apresentável aos amigos de negócios, chupa sangues, assim como ele. Tomada por amor e ódio, escreve, “Enfim, vocês venceram, amei, por isso estou aqui, por que amei, e só amei, e agora vocês que não mais permitem que os amem, desculpa mãe, mas não vou mais limpar o seu vômito, quem sabe, assim como eu, pode ser melhor que morra, quem sabe afogada nele, ai quem sabe livra-se desse inferno morto na vida, à você, meu pai, nada, assim como você me deu, nada. Agora partindo estou, sejam felizes. Só uma retifica, não vou culpar-lhes, não sou tão hipócrita, quem está com a navalha sou eu, mas quem à botou em minhas mãos, foram vocês.”. Com a carta finalizada, dobra-a e pensa, quanto tempo demorarão até me achar, ri um pouco e logo, vagarosa e fortemente começa a cortar, pode ouvir o som de suas camadas de pele se abrindo, o sangue começa a jorrar como tentou da primeira vez, o calor que sai de dentro dela é tão reconfortante, ainda mais naquela manhã fria. Começa a cortar o outro pulso, mas desiste, ela quer aproveitar seus últimos momentos de vida, e assistir mais sóbria a sua morte, conforme vai perdendo os sentidos, começa a sentir-se mais livre, mais viva, quanto mais perto da morte, mais viva sente-se, da até uma vontadezinha de voltar, mas sabe, no seu intimo que quer mesmo é morrer, a morte é tão fácil, como que em seu ultimo gesto, coloca o cabelo atrás das orelhas, com a mão esquerda, pois a direita não mais muito sensível está, e antes de seu corpo desmanchar, ela leva sua mão, cortada, afim de secar uma lágrima que não resistiu e caiu, a ultima de sua existência, então, ela só suja seu rosto de sangue, sorri e cai para trás, seu corpo não aguenta mais ficar ereto, começa a rir com o fato de nada mais doer, vai indo, vai indo, agora tudo é branco e fácil, só consegue pensar numa coisa, ou melhor, consegue ouvir ainda, e ouve os passos descoordenados ao lado da porta do corredor, é sua mãe andando pela casa, pensa, ri, e seu ultimo pensamento, como o que sela sua alma, é: adeus…
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Louco, como tudo que faço.
Nossa...
ResponderExcluirConto looongo!
Mas é assim que eu gosto de ver!
ADOREI!
rs, Conto looongo, kkk
ResponderExcluirThank's so muuuch !
Louco seria se eu não me apaixonasse por suas "escrevinhações"! Entendo que você seja uma pessoa de personalidade forte, seja meio difícil de lhe dar, afinal, não é pra menos...você tem uma mente brilhante pra escrever tudo isso!
ResponderExcluirSucesso é o mínimo que posso lhe desejar.
Mereces muitos mais..
Inteligentes são os leitores e seguidores desse ESPETACULOSO blog!
Beijo de sua querida amiga. Lorena Mendes
Ai porcaria, não se deve fazer comentários desses Lorena! são golpe baixo, eu só gostaria de agradescer 56751x pelos seus elogios, você sabe da admiração que tenho por você. E eu te adoro cara, de verdade! Muito obrigado MESMO. Do seu amigo, Lucas Calvet.
ResponderExcluirQuem se mata não quer morrer; só está aceitando a única mão que lhe foi estendida, enquanto todas as outras negam-se a ver.
ResponderExcluirnão era preciso ser escrito mais nada. PERFEITO!
Obrigado, mesmo ;D
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